Situação da Banca em Portugal

Banqueiros <i>tramam</i> a economia

Eugénio Rosa

Numa al­tura em que o Grupo Es­pí­rito Santo im­plode e em que a má gestão dos ban­queiros se torna mais uma vez clara para os por­tu­gueses, in­te­ressa fazer uma re­flexão sobre o sis­tema fi­nan­ceiro por­tu­guês e sobre si­tu­a­ções e ten­dên­cias atuais pre­o­cu­pantes, o que tor­nará mais com­pre­en­sível o caso GES. Para se poder ter uma per­ceção do ele­vado risco que existe na banca em Por­tugal é ne­ces­sário ter pre­sente que é uma banca uni­versal.

 

Quem põe cobro a esta gestão de risco ele­vado dos ban­queiros com di­nheiro dos de­po­si­tantes e à de­sa­la­van­cagem para além da troika que está a «tramar a eco­nomia por­tu­guesa» e a causar tantos sa­cri­fí­cios aos por­tu­gueses?

LUSA

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Isto sig­ni­fica que ela é si­mul­ta­ne­a­mente uma banca co­mer­cial, de re­talho, (que re­cebe de­pó­sitos e con­cede cré­dito) e uma banca de in­ves­ti­mento (que faz in­ves­ti­mentos fi­nan­ceiros com di­nheiro dos de­po­si­tantes cujo risco é ele­vado, pois tanto se pode ga­nhar muito como perder muito), o que não acon­tece em todos os países já que, para re­duzir o risco, é ne­ces­sária a se­pa­ração entre banca co­mer­cial e banca de in­ves­ti­mento (os EUA du­rante muitos anos im­pu­seram, por lei, a se­pa­ração). Em Por­tugal, são fun­da­men­tal­mente os de­pó­sitos dos por­tu­gueses que, por um lado, per­mitem à banca con­ceder cré­dito à eco­nomia, aos par­ti­cu­lares e ao Es­tado e, por outro lado, pos­si­bi­litam aos ban­queiros fazer in­ves­ti­mentos fi­nan­ceiros (compra de ações e obri­ga­ções de em­presas, de tí­tulos do Es­tado, etc.), muitos deles de ele­vado risco. E isto porque o «di­nheiro» que os ban­queiros e ou­tros aci­o­nistas pos­suem nos bancos cor­res­ponde a uma pe­quena per­cen­tagem do Ativo Total da Banca como mostra o Quadro 1.

Como re­velam os dados do Banco de Por­tugal, o ca­pital que per­tence aos aci­o­nistas da banca, em 2013, cor­res­pondia apenas a 6,5% do valor do Ativo Total da banca por­tu­guesa, sendo 93,5% re­cursos alheios (com 29 898 mi­lhões de euros de ca­pi­tais pró­prios con­trolam 460 206 mi­lhões de euros, por­tanto o grau de ala­van­cagem era de 1 para 15,4). Só o valor dos de­pó­sitos dos cli­entes cor­res­pondia a 55% do Ativo Total. É esta a base do ne­gócio dos ban­queiros os quais com um mon­tante de ca­pital re­du­zido con­se­guem con­trolar 15,4 vezes mais ca­pital (re­pito para não es­quecer, 93,5% são ca­pi­tais alheios). O pro­blema que se co­loca é a forma como os ban­queiros gerem o di­nheiro de­po­si­tado nos bancos pelos cli­entes e como uti­lizam a ca­pa­ci­dade da banca de «criar» di­nheiro (con­ceder cré­dito para além do valor dos de­pó­sitos).

Di­minui o cré­dito
au­mentam os in­ves­ti­mentos

O Quadro 2, também com dados do Re­la­tório de Es­ta­bi­li­dade Fi­nan­ceira di­vul­gado já este ano, re­vela um as­peto da po­lí­tica de gestão atual da banca em Por­tugal que é pre­o­cu­pante.

Entre Dez.2008 e Dez.2013, o cré­dito à eco­nomia e aos par­ti­cu­lares di­mi­nuiu em 50 558 mi­lhões de euros (-15,7%), mas os in­ves­ti­mentos fi­nan­ceiros da banca, em ações e obri­ga­ções de em­presas, em tí­tulos do te­souro, e em ou­tros pro­dutos fi­nan­ceiros au­men­taram em 27 510 mi­lhões de euros (+49,7%).

Na busca de uma ren­ta­bi­li­dade mais ele­vada os ban­queiros estão a des­viar uma parte dos meios fi­nan­ceiros que obtêm, in­cluindo de­pó­sitos, do cré­dito para apli­ca­ções fi­nan­ceiras, com risco muito maior, po­dendo causar pre­juízos ele­vados e pôr em pe­rigo a pró­pria ins­ti­tuição fi­nan­ceira. E o Banco de Por­tugal nada tem feito para im­pedir essa po­lí­tica de risco ele­vado, li­mi­tando-se a in­tervir a pos­te­riori, ou seja, «de­pois do mal feito» e muitas vezes só se existir uma de­núncia (ex.: BCP, BES/​GES), exi­gindo ou o au­mento dos ca­pi­tais pró­prios, que são sempre re­du­zidos se se com­parar com o Pas­sivo (em 2013, o Pas­sivo da Banca, se­gundo o Banco de Por­tugal, so­mava 430 305 mi­lhões de euros, e os Ca­pi­tais Pró­prios eram apenas 29 898 mi­lhões de euros, ou seja, apenas 6,9% do Pas­sivo Total da banca) ou a cons­ti­tuição de pro­vi­sões e im­pa­ri­dades.

Desvio dos re­cursos do BCE
para in­ves­ti­mentos fi­nan­ceiros

Se com­pa­rarmos os em­prés­timos ob­tidos pela banca junto do BCE com os in­ves­ti­mentos fi­nan­ceiros da banca con­cluímos que estes já re­pre­sentam uma ele­vada per­cen­tagem (Quadro 3).

Se com­pa­rarmos o valor dos in­ves­ti­mentos fi­nan­ceiros da banca com o vo­lume de em­prés­timos que ob­teve do BCE, con­clui-se que, entre Dez. 2007 e Dez.2013, os pri­meiros em per­cen­tagem dos se­gundos, au­men­taram de 10,8% para 61,7%. Pode-se afirmar que a mai­oria dos re­cursos ob­tidos do BCE não foram uti­li­zados para con­ceder cré­dito à eco­nomia.

O Quadro 4, com dados do Banco de Por­tugal, mostra com cla­reza o que acon­teceu nesta área fun­da­mental para o cres­ci­mento da eco­nomia por­tu­guesa.

Como re­velam os dados do Banco de Por­tugal a de­sa­la­van­cagem do cré­dito em Por­tugal, que se tra­duziu por uma re­dução sig­ni­fi­ca­tiva de cré­dito à eco­nomia, me­dida pelo Rácio de Trans­for­mação (Cré­dito a di­vidir pelos de­pó­sitos) foi vi­o­lenta em Por­tugal (em 5 anos, di­mi­nuiu 40,5 p.p.) indo para além do que a troika ini­ci­al­mente exigia, que era a re­dução para 120% (a banca já re­duziu para 107%, e al­guns bancos para menos, es­tran­gu­lando assim a eco­nomia. A isto há agora a acres­centar a con­ta­mi­nação do GES, que ainda não é co­nhe­cida na sua to­ta­li­dade: des­co­nhece-se todos os em­prés­timos e apli­ca­ções fi­nan­ceiras dos ou­tros bancos e de em­presas nas em­presas do GES, assim como não se co­nhece a to­ta­li­dade de fundos in­ves­tidos nas em­presas do GES pelo BES. A pro­mis­cui­dade banca co­mer­cial-banca de in­ves­ti­mento fa­ci­lita si­tu­a­ções destas pois os ban­queiros ficam com mãos li­vres para aplicar como querem o di­nheiro dos de­po­si­tantes). A questão que deixo para re­flexão é a se­guinte: Quem põe cobro a esta gestão de risco ele­vado dos ban­queiros com di­nheiro dos de­po­si­tantes e à de­sa­la­van­cagem para além da troika que está a «tramar a eco­nomia por­tu­guesa» e a causar tantos sa­cri­fí­cios aos por­tu­gueses?

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